57 luto possibilita ao enlutado abraçar a dor da perda e uma recuperação mais rápida. Após o entendimento do princípio da impermanência, é possível prosseguir para o aprofundamento do conceito de “inexistência do eu”. A noção de “eu” representa a individual idade (individual i ty); segundo os estudos no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento, desde cedo os bebés desenvolvem o sentido de si (sense of self) através das interacções com os outros, e a partir daí percebem a diferença entre o sujeito (subject) e o objecto (object). A individualidade é o pilar do sentido de agência pessoal (sense of agency), permitenos paulatinamente ter um certo domínio do mundo, libertarnos da impotência sentida na infância; simultaneamente, a percepção do “eu” viabiliza a criação de fronteiras de identidade (identity boundary), ou seja, percebemos que não há uma equivalência entre mim e os outros, cada um tem a sua própria maneira de pensar, rege-se pelos seus valores, interesses e repugnâncias, e é precisamente esta consciência que falta a alguns pacientes que sofrem de transtorno do espectro autista, pois têm défice na compreensão dos outros e dificuldade na comunicação. De uma forma geral, o conceito do “eu” é um indicador que nos ajuda a ter domínio e a navegar no mundo, todavia trata-se somente de um indicador, tal como é necessário abandonar o barco depois de chegarmos à outra margem, não o carregando nos ombros pelo caminho. Quando a visão do eu se torna rígida pode transformar-se em um “eu obstinado”, dando azo ao aparecimento de ideias de separação, ganância, ódio, ego e egocentrismo. Numa perspectiva individual e exemplificativa traduz-se nas disputas entre as pessoas e, numa perspectiva colectiva e amplificada, nas guerras entre as nações, estando a origem dos conflitos no facto de colocarmos o eu numa posição demasiada elevada. Para a libertação do sofrimento é imperativo entender que o ego é uma fantasia. O filósofo inglês do século XVIII, David Hume, constatou: “O ego não é mais do que uma experiência sensorial e fugaz”. Essa experiência corresponde aos cinco agregados do Budismo (agregado da forma ou matéria, agregado das sensações, agregado das percepções discernidoras, agregado dos factores composicionais ou formações mentais, agregado da consciência). O nosso corpo, sentimentos, pensamentos, emoções e percepções flutuam, metamorfoseiam-se a cada instante, pelo que não é possível falar de um eu imutável, pois o ego é uma ilusão, uma criação fantasmagórica humana. O entendimento da natureza ilusória do ego reveste-se de uma importância redobrada, derivando, os problemas do foro psicológico, da ideia da intemporalidade, uniformidade e independência do eu. Se a prevalência do eu não existir, deixamos de ser o possessor das emoções, de humores flutuantes, dos pensamentos, antes somos apenas aquele que experiencia. Após a renúncia do eu detentor dessas emoções, disposições e pensamentos, mesmo que tenhamos de aprender a nadar num maremoto interior, somos capazes de o fazer com uma serenidade imperturbável. A atenção plena orienta-nos para o entendimento de que os cinco agregados não correspondem ao eu e que os mecanismos biológicos nos induzem ao erro; na realidade podemos escolher, de forma racional, os diferentes estados internos a fim de erradicarmos o sofrimento. No livro Samyutta Nikaya, Buda disse aos seus discípulos: “Consciência: a libertação conduz à estabilidade; a estabilidade conduz à satisfação; a satisfação dissipa a ansiedade e a agitação. Sem ansiedade e agitação, eis o estado de nirvana”. A prática da atenção plena é uma caminhada que se faz a partir da observação atenta até à auto-dissolução. A compaixão é germinada quando o homem e o mundo se integram inseparadamente, sendo, por fim, a compaixão disseminada por todos os seres sencientes – este é o caminho do Budismo Mahayana. Muitas pessoas estão equivocadas com o Budismo, que não pretende escapar do pessimismo nem se trata de uma forma de vida específica para os monges recolhidos nas montanhas. “O Budadharma está no mundo, o despertar não está separado do mundo”. O Budismo não é uma actividade filosófica abstracta, antes é uma prática do quotidiano. Somos comuns mortais, e a aprendizagem dos ensinamentos de Buda não significa que tenhamos de viver uma vida monástica ou renunciar as sete emoções e os seis desejos. Na verdade, Buda, antes de despertar, praticou ascese extrema durante seis anos e apercebeu-se de que não era esse o caminho da iluminação. Destarte, a essência do Budismo é a moderação, pois nem a repulsa de todos os desejos ou a entrega total ao hedonismo são caminhos correctos; porventura a felicidade reside na procura de um objectivo verdadeiro, duradouro, vantajoso para si, o outro e a sociedade. Buda inspira as pessoas a cultivarem visões positivas, construírem famílias harmoniosas, tecerem relações interpessoais construtivas e criarem um ambiente equilibrado para viver. Esta forma de vida corresponde aos factores psicossociais (psychosocial factors) da psicologia moderna no que se refere à manutenção da saúde mental. Eis uma possibilidade da iluminação – contentar-se com pouco, afastar a dualidade. 心理輔導員Psicólogo : 王瀚林 Wong Hon Lam (Kyle) 聯絡電話Telefone de contacto : 8866 9787 電郵地址Correio electrónico : HLWONG@fsm.gov.mo
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