警訊133期 Revista da P.S.P. 133

55 A t endênc i a do compor t amen t o i nvo l un t ár i o da busca do prazer e da fuga à dor, cria a “avareza” e a “ira”. Simul taneamente a selecção natural não prepondera a clarificação do nosso conhecimento do mundo e o alcance da verdade, antes pretende reforçar comportamentos, sentimentos e pensamentos que asseguram a proliferação dos genes e, desta cegueira, nasce a “estupidez”. A arquitectura da evolução biológica transforma os humanos em escravos da ilusão, mas esta concepção é adequada sob a perspectiva da garantia da sobrevivência e da reprodução dos organismos. Suponhamos que bastaria comer uma refeição para o corpo se satisfazer por muito tempo, então o homem já não caçava regularmente para se alimentar; se bastasse ter sexo uma vez e o corpo se satisfizesse eternamente, o homem não procurava outra oportunidade de o fazer; se o homem depois de ser mordido por uma cobra não se tornasse mais sensível e alerta ao que acontece em seu redor, a possibilidade de vir a ser atacado ou morto no futuro seria acrescida. Assim, a capacidade de ver o mundo tal como realmente é, não é vantajosa para a herança genética; a concepção natural amplia os nossos desejos e medos, bem como distorce a nossa percepção. As descobertas da neurociência moderna revelam precisamente os princípios deste mecanismo. Os desejos dos seres humanos ou seres vivos avançados baseiam-se principalmente nos circuitos de recompensa no cérebro (reward circuits), em que a parte central do cérebro está relacionada com as reacções ao prazer e produz uma elevada quantidade de dopamina quando os seres vivos são estimulados e satisfeitos. A fim de restringir a recompensa e fortalecer os circuitos correspondentes, os seres vivos são levados a procurar incessantemente pelo prazer até eventualmente chegarem ao vício. Numa experiência clássica, os cientistas antes de gotejarem sumo de fruta na língua dos macacos, acendiam uma luz vermelha para que os macacos estabelecessem uma ligação entre o sumo e a luz acesa. Simultaneamente, os cientistas monitorizaram a actividade do circuito de recompensa dos macacos e verificaram que os macacos libertavam uma grande quantidade de dopamina quando saboreavam o sumo pela primeira vez, contudo, essa quantidade ia reduzindo com o tempo. Em contrapartida, quando os macacos viam a luz vermelha a acender-se, a dopamina aumentava progressivamente, demonstrando que a satisfação que os macacos tinham relativamente ao sumo que estava prestes a ser servido era maior do que a degustação do próprio sumo. Assim se explica a razão pela qual as pessoas sonham e correm atrás de determinadas coisas (dinheiro, status, reputação, bens materiais, sexo) e, quando finalmente os sonhos se tornam realidade, apercebem-se de que, afinal, o que desejavam não é nada de extraordinário ou até se sentem desapontados, arremessando-se em direcção a um novo objectivo. Isto corresponde aos resultados dos estudos da psicologia sobre a previsão afectiva (affective forecasting), ou seja, as pessoas tendem a ampl iar erroneamente a alegria que os acontecimentos positivos podem trazer no futuro, influenciando as suas próprias acções e julgamentos, resultando, assim, numa inclinação enganosa nas tomadas de decisões (decision bias). Por isso, o ser humano parece estar permanentemente num dilema cíclico: 1) deseja algo, persegue-o de forma veemente, depois de o obter f ica aborrecido ou desapontado e decide correr atrás de um objectivo ainda maior; 2) deseja algo, persegue-o de forma veemente e por não conseguir obter, sofre e desespera-se. Tal como afirmava o filósofo alemão Schopenhauer, “A vida é um pêndulo que oscila entre o sofrimento e o tédio”. Quem vive desta forma, não pode ser livre. Lembremo-nos de que a natureza da existência é o “sofrimento”, como ensinava Buda, e que a origem do sofrimento reside na falta de discernimento e na incapacidade de controlo – a evolução e o mecanismo da selecção natural deixou-nos às cegas. Há dois mil anos atrás, no Oriente longínquo, ninguém havia descoberto a teoria da evolução ou a ressonância magnética, todavia, o dilema humano já havia sido nitidamente dissecado por Buda – a solução que nos oferece é a contemplação da verdade e da verdadeira natureza das coisas, a quebra do feitiço da ilusão propele a passagem do processo de sobrevivência (survive) para a plenitude (flourishing). Há ma i s de do i s mi l anos at rás , Buda med i tou profundamente debaixo da árvore Bodhi por sete dias consecutivos, despertou, tornou-se o Iluminado, alcançando o nirvana. Segundo os seus ensinamentos, a meditação parece ser o caminho da libertação do sofrimento. Assim, como é que este processo de meditação aparentemente misterioso pode ser explicado à luz da ciência actual? Que tipo de processo mental experienciam os praticantes da meditação? O Dr. Jon Kabat-Zinn foi uma figura-chave para o desenvolvimento e a divulgação da meditação no mundo académico ocidental. Ele agrupou os conceitos de hatha yoga, atenção plena, tradição zen e ciência para criar um programa modelo de redução de stress baseado na atenção plena (mindfulness-based stress reduction program). Em 1979, o Dr. Jon Kabat-Zinn fundou, na Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, o Centro de Redução de Stress, através do qual ensinou a técnica da atenção plena para reduzir o stress a diferentes grupos de pessoas, promoveu múltiplos ensaios clínicos e verificou que a prática da atenção plena para a redução do stress alivia a agitação psíquica, fortalece as funções do sistema imunológico, capacita a pessoa para enfrentar as dores crónicas e as doenças dermatológicas. Hoje em dia, a técnica da atenção plena já está generalizada e a ser praticada em diversos cenários, como em sessões de terapia cognitiva, em locais de trabalho, no âmbito da educação, no quotidiano, entre outros.

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