54 interpessoais, bem como aumentar o nível de auto-conhecimento como força propulsora para o crescimento individual, para que a pessoa esteja bem apetrechada e informada (well-informed) para fazer as escolhas adequadas na vida. Na verdade, o aconselhamento baseado na filosofia budista tornou-se, nos anos recentes, uma ramificação de apoio psicológico, com cursos e certificações profissionais disponíveis em diversas instituições de ensino superior. Daí se vê que uma pessoa pode ser concomitantemente espiritual (spiritual) e não religiosa (religious). Seguidamente, examinemos os ensinamentos de Buda sob a perspectiva científica. Talvez a partir daí possamos compreender como o Budismo se tornou uma panaceia para o homem se conhecer a si e ao mundo e descobrir as soluções para os seus conflitos interiores. O trecho do Sutra do Diamante, “Uma estrela ao amanhecer, uma borbulha no riacho; um relâmpago numa nuvem de verão, uma chama vacilante, uma sombra e um sonho”, encapsula a visão budista do mundo. O mundo exterior não é real, mas ilusório, a natureza de todas as coisas é a “vacuidade”, não significando porém que os fenómenos que vemos a olho nu não existam, mas que foram simplesmente originados por causas, destituídos de natureza individual ou independente. A título de exemplo, o crescimento de uma árvore depende da direcção específica do vento, da chuva, do solo e da disseminação de sementes; com a erradicação de qualquer um dos factores ou desarmonia destes, esta árvore já não desenvolverá. De igual forma, o nascimento de uma pessoa depende da união dos pais; esta união foi o resultado de um encontro, em certa hora e determinado lugar, bem como da afinidade sentida mutuamente, pelo que com a erradicação de qualquer um dos factores ou desarmonia destes, esta pessoa não nasceria. Estes factores externos são aleatórios, são uma combinação de uma centena de milhões de possibilidades que se entrelaçam para algo existir e que sem a orquestração de uma série de condições interdependentes, esse algo não existirá. Assim, todas as coisas do mundo não têm uma natureza individual, nada é permanente, não existe autonomia e eternidade, ou seja, tudo tem “origem dependente e vazia”. A “vacuidade” no Budismo não nega as “aparências” e sim a “natureza”. Todas as coisas no mundo passam por fases naturais de nascimento, existência e definhamento; tais mudanças não são controláveis e a razão pela qual o homem quer manter o controlo até às últimas consequências advém de três venenos: avareza, ira e estupidez. Avareza: as pessoas são atraídas constantemente por situações propícias e agradáveis, mas às vezes ficam deprimidas pela perda de algo ou alguém ou tornam-se ansiosas pelo medo da sua perda; ira: as pessoas sempre odeiam a adversidade ou as coisas desagradáveis, desenvolvem medos e traumas pela resistência ou fuga à realidade; estupidez: refere-se à imbecilidade, uma vez que as pessoas desconhecem as leis que regem o mundo e os processos psicológicos supramencionados, passam os dias desassossegados, a cogitar sobre ganhos e perdas. Segundo a visão do Budismo, estes factores são a raíz do “sofrimento”. Assim, se a persistência em possuir o que é efémero, impermanente e ilusório traz tanto sofrimento, por que as pessoas continuam mergulhadas no abismo, incapazes de se desenvencilharem? Como é que surgiu esta tendência de correr atrás de fantasmas? Hoje, mais de dois mil anos volvidos, com o desenvolvimento da ciência, será que temos um conhecimento mais profundo sobre esta matéria? O desenvolvimento da biologia evolutiva e da psicologia parece, à partida, fornecer respostas. Depois da publicação, em 1859, da “Origem das espécies”, de Charles Darwin, as pessoas adquiriram um conhecimento mais profundo acerca da origem e evolução dos seres vivos. A “sobrevivência do mais apto” (survival of the fittest) é um dos mecanismos essenciais do processo evolutivo, pois refere-se à sobrevivência das espécies que melhor se adaptam ao ambiente natural, pela qual organismos desenvolveram diferentes tipos de hábitos, aparências, características, habilidades, face às necessidades ambientais do momento. A título de exemplo, os macacos vivem nas árvores há várias gerações, por isso desenvolveram braços longos, habilidades para treparem rapidamente nas árvores e membros superiores fortes, enquanto que os macacos do grupo que não desenvolveram essas características foram caçados por inimigos ou não conseguiram alimentar-se, tendo sido gradualmente extintos. Daí se vê que existe uma relação competitiva entre os organismos, cada um esperando alcançar o sucesso reprodutivo (reproductive success) e esforçando-se para transmitir seus genes, sendo esta a concepção subjacente à selecção natural (natural selection). Por outras palavras, a herança genética domina a maioria dos comportamentos dos seres vivos, incluindo os humanos. No entanto, os genes são egoístas e têm uma vista curta, só se preocupam com a replicação e não propriamente com a felicidade a longo prazo do organismo. A agradabilidade no momento presente e o benefício que se obtém a longo prazo são duas coisas distintas e os genes não são “inteligentes” ao ponto de saberem analisar os prós e os contras respectivos, apenas direccionam os seres vivos a comportarem-se segundo dois princípios simplistas – maximizar a felicidade e minimizar a dor. Daí se explica a razão pela qual os nossos comportamentos são antagónicos: por exemplo, todos sabemos que os alimentos altamente calóricos, salgados e fritos prejudicam a saúde, contudo, devoramo-los alegremente; todos sabemos que deitarmo-nos tarde e a falta de exercício físico enfraquecem o nosso corpo, contudo, deixamonos levar pela preguiça, pois o poder da selecção natural nos aprisiona em ilusões sem disso nos apercebemos.
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